Parcelado sem Juros: Projeto precisa minimizar danos ao consumo

por Gastão Mattos, sócio-fundador da Gmattos 

O mercado de pagamentos eventualmente enviesa algumas análises e até elege vilões, na tentativa de simplificar a solução de problemas que, na verdade, exigem formulações complexas. Isso porque as variáveis são muitas, e a conta de revisões e sacrifícios precisa ser dividida entre vários players. Um bom exemplo recente desse tipo de situação está no parcelado sem juros no cartão de crédito. 

O modelo tem enfrentado transformações pautadas por conjunturas de mercado, como a alta dos juros da economia. Ela faz com que a antecipação característica no parcelamento sem juros se torne mais cara para o lojista. Este, porém, não minimiza essa forma de pagamento por uma simples razão: o medo de perder espaço para a concorrência. Afinal, mais de 60% das compras feitas por cartão de crédito no Brasil são realizadas dessa maneira. 

Embora as lojas não inibam o parcelado sem juros, o número disponibilizado de parcelas tem caído no comércio eletrônico brasileiro. Na média geral, ele está em 7,5 vezes, segundo estudo feito pela Gmattos. Em julho do ano passado, essa quantidade era de 8,1; há cerca de 20 anos, o parcelamento sem juros usualmente atingia 12 vezes. 

Interessante observar também, entre os dados levantados pela Gmattos, que 69,8% das lojas online não apresentam oferta de parcelamento com juros no cartão. Entre as que o fazem, a maior frequência da cobrança de juros ocorre a partir da 11ª parcela – prática verificada em 11% do total de lojas, ou 37% do segmento com oferta com juros –, embora haja casos de cobrança de juros já a partir da segunda parcela. 

Se, de um lado, o parcelamento sem juros acaba fomentando o consumo e atraindo compradores, de outro, ele tem sido apontado como um componente relevante na alta da inadimplência e na elevada taxa de juros do rotativo, que recentemente atingiu o patamar de 480% ao ano. Essa relação se dá porque, toda vez que o cliente não paga ou salda parcialmente a fatura do cartão, ele engorda o crédito rotativo. 

Uma consideração mais imediatista de uma taxa tão expressiva do rotativo poderia até colocar os bancos na posição de réus como executores de práticas abusivas, e muitos de fato seguem essa linha de raciocínio. No entanto, é preciso lembrar que, nesse tipo de crédito, as instituições bancárias em boa medida operam na zona mais incerta do risco. O rotativo tem essa característica: financiar alguém sem saber exatamente o que a pessoa fez com aquele dinheiro, se comprou uma geladeira ou deu uma grande festa além de suas possibilidades orçamentárias. 

Mesmo assumindo que o parcelado sem juros facilite um tipo de endividamento que tem chances de se converter em inadimplência, combater esse efeito ocasional com a repressão ao modelo de parcelamento pode acarretar consequências mais negativas do que o problema original. Regular a modalidade invariavelmente afetaria o consumo, impactando negativamente em todos os elos da cadeia de meios eletrônicos de pagamento. 

O lojista está interessado em diminuir o parcelamento sem juros e não em acabar com ele. Uma alternativa, então, seria criar um incentivo, como preços reduzidos, para pagar à vista no cartão de crédito. A loja pode dar um desconto para esse tipo de pagamento. 

O estudo da Gmattos identificou que apenas 10% das lojas oferecem algum tipo de benefício para pagamentos em uma vez no cartão. Em contrapartida, entre as lojas que aceitam Pix, 40% dão descontos para pagamentos nessa modalidade. É uma estratégia que também pode render bons resultados se aplicada para motivar o cliente a dividir a compra em menos parcelas no crédito. Se o consumidor estiver comprando um ar-condicionado de R$ 1.500 e o lojista oferecer um desconto de R$ 150 para a compra em uma parcela única no cartão, talvez esse benefício tão concreto seja suficiente para que o cliente opte por essa forma de pagamento. 

Com a redução de parcelas de forma espontânea e incentivada, a exposição do banco ao risco de não pagamento diminui, o que tende a derrubar também a taxa do rotativo – uma vez que um dos fatores que a determinam é justamente o tempo futuro ao longo do qual a instituição estará sujeita à inadimplência. 

Outra proposta ventilada e que faz todo o sentido é o balance transfer, muito praticado no exterior. Quando o cliente tem uma dívida com o seu banco no rotativo e não está satisfeito com a taxa cobrada, ele transfere o débito para outro banco, que o quita com a primeira instituição e passa a cobrar desse cliente uma taxa menor. Essa transferência de saldo entre bancos gera uma competição que os impele a melhorar as condições oferecidas á clientela – entre elas, supostamente, a de juros mais baixos no rotativo. 

São mecanismos que, ao criarem um cenário favorável para um número menor de parcelas sem juros, mas sem ser proibitivo para uma extensão mais alongada desse parcelamento, não carregam consigo o ônus da queda do consumo que o simples banimento do modelo via regulação pode acarretar. 

Cabe ressaltar ainda que o parcelado sem juros atende ainda a outras necessidades relevantes e mais específicas do mercado, como as compras não programadas – caso da geladeira que quebra e precisa ser trocada emergencialmente. Também é uma ferramenta promocional importante para os lojistas em períodos como o da Black Friday. São exemplos de como extinguir essa alternativa de pagamento penalizaria várias pontas do ecossistema. Em vez de sanar um problema criando outros, o caminho pode estar no aprofundamento de diagnósticos e proposições. 

Gastão Mattos é CEO da Gmattos, empresa especializada em e-commerce

Fotos: divulgação
 

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